A cultura do “dar conta de tudo”: como expectativas irreais estão adoecendo mulheres

Sobrecarga emocional, dupla jornada e “carga mental invisível” afetam a saúde das mulheres e são alimentadas por padrões geracionais de cobrança e autocobrança

A ideia de que a mulher precisa “dar conta de tudo” trabalho, casa, filhos, família, aparência, vida social e equilíbrio emocional deixou de ser apenas um discurso cultural para se tornar um problema de saúde pública. Pesquisas sobre carga mental e trabalho não remunerado mostram que mulheres seguem acumulando responsabilidades, mesmo quando têm a mesma jornada formal que homens. Estudos internacionais indicam que elas realizam a maior parte do chamado trabalho invisível: planejar, organizar, gerir a rotina, lembrar de datas, compromissos, necessidades da casa e da família.

Esse fenômeno, conhecido como carga mental ou cognitive labor, está diretamente associado a níveis mais altos de estresse, sintomas de ansiedade, depressão e burnout entre mulheres. Pesquisas recentes apontam que, em muitos contextos, mulheres assumem cerca de 70% da carga mental doméstica, mesmo em lares onde ambos trabalham fora.

Além da sobrecarga prática, há a autocobrança: a sensação de que não é permitido falhar, que é preciso ser eficiente, disponível e emocionalmente forte o tempo todo. Esse padrão costuma ser transmitido de forma geracional: muitas mulheres foram criadas vendo mães e avós sustentando a casa, cuidando de todos e raramente priorizando o próprio descanso. Ao reproduzir esse modelo, frequentemente se sentem culpadas quando dizem “não”, pedem ajuda ou desaceleram.

No ambiente de trabalho, essa cultura se manifesta em jornadas estendidas, dificuldade de desconectar, medo de parecer “fraca” ou “menos comprometida” ao estabelecer limites. A literatura sobre conflito trabalho-família mostra que a combinação entre dupla jornada e carga mental está ligada a maior risco de adoecimento emocional e queda na qualidade das relações.

Exercício de autocuidado e reconexão

Como estratégia prática, a psicoterapeuta e especialista Elaine Rios propõe um exercício simples e recorrente de autocuidado e ressignificação da própria imagem:

  1. Encontro diário com o espelho

    • Reserve de 2 a 5 minutos por dia, em um horário em que você esteja sozinha e sem interrupções.

    • Olhe diretamente nos seus olhos no espelho. Respire profundamente algumas vezes, percebendo ombros, mandíbula e testa, relaxando essas regiões.

    • Em voz alta, diga frases curtas e objetivas, como:

      • “Eu não preciso dar conta de tudo sozinha.”

      • “O que eu faço já é muito, e tem valor.”

      • “Eu sou importante, mesmo quando descanso.”

      • “Pedir ajuda é um ato de coragem, não de fraqueza.”

  2. Nomear a carga mental

    • Ainda diante do espelho, escolha uma coisa que você está carregando sozinha (uma função, uma preocupação, uma responsabilidade) e diga em voz alta:

      • “Eu reconheço que estou carregando [ex.: toda a organização da casa / todas as decisões sobre os filhos] sozinha.”

    • Em seguida, complete:

      • “Eu mereço dividir essa responsabilidade.”

  3. Pequeno compromisso concreto

    • Ao final, defina um gesto prático de alívio para as próximas 24 horas (delegar uma tarefa, adiar algo não urgente, dizer “não” a uma demanda extra).

    • Repita diariamente por pelo menos uma semana, ajustando as frases conforme fizer sentido para sua realidade.

Segundo Elaine Rios, romper com a cultura do “dar conta de tudo” começa por reconhecer que essa cobrança não é individual, mas social e histórica. Além disso Elaine destaca que o exercício de se olhar com mais gentileza, dar nome à carga mental e assumir pequenos compromissos diários de mudança ajuda a enfraquecer o padrão de exaustão crônica. Ela também reforça que nenhuma mulher deveria sustentar sozinha a expectativa de ser forte o tempo todo: compartilhar responsabilidades, pedir apoio e estabelecer limites é parte fundamental de uma vida emocionalmente mais saudável.




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